A casa de minha mãe
Porém, com a possibilidade que você é não fazer a menor ideia ou mesmo ter que esquecido diante da minha importância, irei me apresentar!
“Me chamo Gabriel Dourado, tenho outros nomes, mas esses ficam reclusos aqueles que me conhecem de outra forma. Sou original de ITABUNA, uma cidade ao sul do estado da Bahia. Nasci no dia 19 de outubro de 2001 o que me faz um libriano que em breve alcança os 24 anos. Me mudei para o sertão aos 3 anos, Feira de Santana, a princesa do sertão. Lá fiquei 17 anos ao migrar para o litoral na jornada acadêmica, foram 4 anos entre Salvador e Feira. Antes de ser jornalista sou uma pessoa não branca, negra, uma pessoa não cis, não heterossexual. Deixo as definições mais certeiras para outro momento. Sou escritor, isso é importante falar e provavelmente retomarei esse tópico futuramente, um cronista ou um repórter de mim mesmo.”
Com esse pouco de mim pousamos hoje num relato de extremamente comum, então não aguarde uma reviravolta cinematográfica. Me mudei para São Paulo no mês de fevereiro para resolver um grande problema, dois anos vivenciando um relacionamento a distância. Uma mudança que altera diversos ou quase todos os parâmetros construídos até aquele momento, para ser mais justo esse momento se iniciou com meu retorno pós, graduação.
Acho que não nasci para ser interiorano, mas, na verdade, não havia uma sinergia entre mim e a cidade a qual residia. Os anos morando beira-mar, não tão beira, me deram uma esperança sobre se viver. Os amigos que fiz, as experiências que vivi tornaram a vida soteropolitana desejada.
Feira foi uma cidade muito interessante para meus pais quando chegaram, porém, a distância da minha família sempre me fez sentir uma solidão estranha. Nunca tive grandes relações até chegar no ensino médio, onde minha vida virou completamente do avesso e percebi ter pessoas para além do sangue que se preocupavam comigo.
A relação familiar e talvez a sensação de insegurança de ser quem eu realmente era marcaram meus anos na casa que residir por mais de 10 anos. Durante esse período, perdi minha avó que dormia no meu quarto, alguns anos depois minha avó materna, logo em seguida meu pai saiu de casa e por fim, minha avó paterna. Os últimos eventos ocorrendo em um curto intervalo de um ano.
Eu era somente uma criança, olhando hoje, mas já era atravessado por questões que estavam estampadas na minha pele e por outras que mexiam internamente e que me sufocaria em algum momento.
Não obstante, diante desses movimentos, sai do armário completamente não planejada. Os meses e até anos seguintes foram complicados, as relações estavam cobertas de medo, trauma e distância. Existia em um mundo completamente paralelo numa tentativa de me proteger.
E constantemente, aquelas paredes me recordavam de toda dor que carregava.
Fui embora fazer faculdade, um novo começo me esperava, até que semanas após essa mudança mergulhamos numa pandemia e alguns meses depois retornei para casa atordoado com o que se tinha no mundo e a total falta de esperança para o futuro. A conjuntura criou proximidade, mas nem às paredes pintadas por mim na tentativa de redesenhar o ambiente foram suficientes para criar uma nova narrativa.
Minha mãe interveio!
Estive pela primeira vez num consultório psicológico, meu quadro? Já sabíamos, mas existia uma relutância cristã em aceitar tal ajuda. Não durei muito, não dei match com a psicóloga. Meses seguintes uma descoberta: ser atendido por um profissional gay; O sentimento era estranho.
Interrompi.
A pandemia, afrouxava, apertava e nesse meio tempo a bigorna no meu peito oscilava em conjunto. As circunstâncias se alteraram minimante e em posse de capital resolvi afunilar a busca de um profissional que pudesse ao máximo me entender como indivíduo e coletivo. Lá estava eu numa sexta de 2021 iniciando a maior trabalho da minha vida.
5 anos de terapia em um tweet e eu falaria sobre o trabalho que lidar com luto e como isso se desdobrou para todos os campos da minha vida.
Porém, existe uma camada que sempre trabalhamos, principalmente sendo eu uma pessoa negra, queer e que muitas vezes estava amorosamente e sexualmente envolvida com homens, o meu lugar de pertencimento dentro da casa da minha mãe. É necessário pautar que eu tinha uma casa, uma irmã, um gato e uma mãe, ambos presentes nas medidas que a vida nos permite.
Entretanto, a vida dissidente que tenho diante do esperado pela minha mãe criou e cria um abismo constante que se amplia a cada novo passo de emancipação. Logo após contar sobre minha sexualidade, sai da igreja, me afastei dos cargos que ocupava e abandonei alguns ritos. Um completo afronte que foi fortemente combatido até os meus 18 anos quando parei de frequentar o templo.
Não existia pertencimento para mim naquela casa, que mesmo com o quarto que pintei e intervi artisticamente não era eu, ou talvez, eu não era eu. Mesmo morando em Salvador, sob a tutela da minha tia, o sentimento de não pertencimento só se agravava. Por um mês morei com uma grande amiga e descobri duas coisas:
existia um mundo para além da depressão e ansiedade;
existe a possibilidade de um mundo meu;
Com esses dois pontos, viver na casa da minha mãe e retornar para minha cidade, se tornaram problemas que deveriam ser fortemente combatidos e evitados, e garanto que fiz de tudo para que isso pudesse ser evitado, mas como em uma boa história: fracassei e retornei após o fim da graduação.
Estava sem acompanhamento quando essas mudanças ocorreram e na primeira oportunidade de retomar, fiz! Agora precisava lidar com o irremediável, estava eu morando no meu próprio pesadelo.
Minha relação com minha mãe já era totalmente "Normal", mas eu, não era eu naquela casa e nem naquela cidade e assim comecei a me movimentar e cinematograficamente alguns meses depois, quase um ano estava embarcado de mudança para outro estado.
Essa mudança trazia de forma inédita para meu vocabulário: minha casa. O pequeno apartamento escolhido pelo meu namorado para ser seu descanso em um dia foi recheado de livros e cadernos meus, minha vitrola e dois discos, agora uns 10, tomaram conta da sala. Meu tarot, antes escondido no meu quarto ainda incomodando, foi para o hall de entrada.
Uma pequena demonstração do que tanto eu quando o digníssimo que divide a vida comigo queremos para nosso lar e depois de alguns meses nesse constante trabalho de comprar saleiro, comprar vasilha, compra, compra... hora de retornar.
Visitar!
Quando contei a uma prima sobre a mudança, algo marcou muito nossa conversa:
"Agora às passagens são de ida e não de volta!"
Já voltei para casa da minha mãe inúmeras vezes e gastei inúmeras sessões de terapia criando ferramentas para esses momentos. E tive sucesso, ao mesmo tempo que fracassei diversas vezes, mas dessa vez estava ciente do que estava ao meu alcance.
Para além da supressa que planejava, as semanas anteriores foram horríveis, pesadelos constantes com o que poderia encontrar, como poderia encontrar meu quarto, sobre o medo de ter que ser algo que não sou.
Por uma semana existe completamente como uma visita, nada quis alterar na rotina delas que agora, mas que nunca vivem uma confusa relação simbiótica a qual eu não faço mais parte do ecossistema. De fora, uma vida completamente distante do que venho tentando construir e isso tudo em cima do que minha mãe fortemente me ensinou e mostrou sobre ter uma casa. Obviamente que minha mãe do auge dos seus 50 anos deveria estar desfrutando de uma outra realidade, mas sobre esse tema somente ela pode falar.
Meu encontro terapêutico foi marcado estrategicamente para essa semana que estava vivenciando essa imersão numa realidade a pouco minha. E durante os apontamentos que fazia algo chamou atenção do meu psicólogo:
"A casa da sua mãe, é a primeira vez que você se refere dessa maneira!"
Não houve apagamento e talvez nem todos os pontos tenham sidos resolvidos após essa minha emancipação completa como indivíduo e coletivo, mas posso ter certeza de que alguns demônios foram derrotados e troféus foram conquistados. Retornar para Feira ainda estar restrito a encontrar minha família e alguns amigos, e foi num desses encontros, na casa da minha prima que escutei de um bêbado que "eu era muito amado" e como com bêbado não a discordância, voltei para casa sabendo desse amor que ainda vive no sertão.
Em São Paulo, em casa, abracei o homem que amo, tomei um bom banho quente para combater o frio. Sentei-me no sofá e comecei escrever esse texto olhando para tudo vivido e sabendo que nem tudo pode virar texto, aí mandei uma mensagem para minha mãe dizendo que a amava.
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